8.8.17

Livros sobre música que vale a pena ler - Cromo #69: Luís Jerónimo e Tiago Carvalho (compilação) - "Escritos de Fernando Magalhães - Volume IX: 2001"


autor: Luís Jerónimo e Tiago Carvalho (compilação) - Prefácio: Tiago Carvalho
título: Escritos de Fernando Magalhães - Volume IX: 2001
editora: Lulu Publishing
nº de páginas: 510
isbn: none
data: 2017



PREFÁCIO

“Boa noite Mário”
Foram as primeiras palavras que escutei do Fernando.
Mário era o mítico “Mário Z”, o participante mais assíduo do Fórum Sons (em acesa disputa com Vítor Junqueira), e o principal entusiasta da fação ‘world’ das crónicas do FM. Tínhamos ido três de Setúbal e combinado encontrar-nos no Lux, para assistir à sessão de disc-jockey do Felix Kubin. O terceiro era o “Luís M”.
Não havia facebuques, não tínhamos o hábito de colocar fotos nos perfis do Fórum, não conhecíamos a cara uns dos outros. Mas de forma dedutiva (ou intuitiva), o Fernando lá acertou qual dos três era o Mário.
Foi uma noite de conversa animada, risos, uns copos de cerveja a mais, que nunca esquecerei. Com o Fernando seria sempre assim, para não esquecer. Uma das suas características mais impressionantes, era a de passar mais de um ano sem nos vermos, e ele retomar a conversa: “como eu te estava a dizer…” exatamente no ponto em que tinha ficado.
Num segundo encontro com os mesmos intervenientes, em Setúbal, alguns meses depois – e no seguimento de animadas conversas diárias no Fórum Sons –, perante um acabrunhamento inicial, o Fernando sugeriu irmos cada um para o seu computador para podermos conversar mais à vontade.
Depois destas tiradas dava aquela risada típica dele.
Há muito que éramos seguidores das suas críticas. Comprava-se semanalmente o Sons, ou o Y, e folheava-se para encontrar o artigo assinado “FM”. Frequentemente soltava-se uma gargalhada com o refinadíssimo sentido de humor.
O Fórum Sons do jornal Público foi uma excelente ferramenta que possibilitou o contacto direto entre os críticos e os leitores, e a postura do Fernando Magalhães foi sempre a de ser apenas um entre os “foristas”, quando não o mais subversivo de nós.
Mais tarde vieram os encontros no festival Cantigas do Maio do Seixal, no festival de Músicas do Mundo de Sines, os jantares seguidos de sessões de dj no Marr, em Setúbal, as escutas de discos em sua casa.
O FM costumava destacar a festa na tenda Mundet, que acontecia sempre no final dos concertos do Cantigas do Maio. O que nunca escreveu foi que por vezes ele próprio dava o pontapé de saída, tocando a gaita ou flauta que trazia consigo. A partir daí a alegria contagiava a todos.
Em rigor, aquelas não foram as primeiras palavras que lhe escutei. Soube mais tarde que era ele aquela pessoa simpática que durante algum tempo atendeu na discoteca Contraverso.
Além de todas as qualidades de escrita que se lhe reconhecem, do gosto na apreciação musical, do conhecimento enciclopédico, uma das grandes virtudes era desenterrar e dar visibilidade a nomes esquisitos, música rara ou fora do padrão.
O que terá acontecido a todos aqueles nomes de bandas sobre as quais era ele praticamente o único que falava? Deixaram de existir? Ou voltaram à obscuridade? E que quantidade de música nova nos teria ele revelado nestes últimos 12 anos?
Da faceta de distraído recordo o episódio em que fomos ver Pere Ubu na Aula Magna, e ele não encontrava os convites. Depois de muito procurar – tanto procurar! (era inverno, vestíamos casacos) – o porteiro lá nos deixou entrar sem precisar de mostrar ingresso. No final do concerto encontrou, por fim, os bilhetes colocados no local mais óbvio: no bolso de trás das calças.
A meio desse concerto, o Fernando pediu licença, levantou-se e disse que ia tirar notas. Praticamente fez todo o artigo, num jato! No dia seguinte estava publicado nas páginas do Público.
Nas noites em que o Fernando Magalhães passava música em Setúbal, era comum tentarmos adivinhar o nome do artista. Era tão certeira a sua escrita – mistura de factos e contexto com uma “pincelada crítica”, como tão bem sintetizou o Luís Marvão – que era possível fazer corresponder os sons à descrição que tinha saído no jornal.
Fernando, penso que gostarias de saber que o Peter Hammill foi todo devidamente remasterizado e reeditado com um som fabuloso, para poder ser justamente apreciado “em toda a sua glória”. Van Der Graaf também. Aliás, eles continuam a tocar e a gravar, mas faltas cá tu para nos iluminar, qual o disco mais inspirado, qual o que vale a pena mesmo ouvir.
De resto, os Gaiteiros de Lisboa ainda produzem. A Brigada Victor Jara completou 40 anos. O Sporting nunca mais deu nenhuma alegria (isto anda embruxado). O vinil voltou a estar na moda.
Depois de ti isto é o vazio, pá. Fazes muita falta.
Tiago Carvalho



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